O que é a egrégora ürmN?

 

Somos um grupo de amigos que estamos em ressonância. Somos ex-pessoas (ex-filósofos, ex-cientistas, ex-médiuns,  ex-artistas, ex-ativistas etc.) que, meditando, conversando, se disponibilizando radicalmente para o que é e para o além do que é, nos instalamos em algo que, ao que parece, é estranho, extremamente relevante e, assim nos parece, de algum modo, urgente. Como canta David Bowie em sua música “Oh! You Pretty Things”: “Todos os estranhos vieram hoje e parece que vieram pra ficar”.


O tópico do “o que é e além do ‘é’” não implica necessariamente no conceito de “não-ser” do neoplatonismo, ou seja, o Belo ou o Uno, que está além da “transcendência” e “imanência”, ainda que ela seja uma inspiração provisória. (Sobre isso, ver o item “Do desvio do processo civilizacional”.)


Para que nossas expressões se tornem o mais precisas possível, é relevante suavizar e, dentro do possível, abdicar do que é apreendido enquanto conceito, pensamento e até cognição. Sim, a princípio, há algo de paradoxal nisso, pois estamos nos expressando por palavras, que necessitam de cognição, entendimento, pensamento etc. No entanto, nossa escritura é apenas um trampolim para algo além, ou seja, a escritura é mero artifício que será descartado em seguida.


Se, eventualmente, lançarmos mão de algum pensamento, conceito e até mesmo citarmos autores, é preciso, em relação a isso, um alerta: evitem transformar tais citações em uma “referência”. Se tais citações podem contribuir, é apenas em um regime de desreferencialização, ou seja, as citações compõem um campo provisório que nós utilizamos apenas para se lançar em uma desreferencialização mais ampla.


Em relação ao nome “ürmN”, trata-se de um nome que emergiu para nós para nos diferenciarmos de outras egrégoras. Com o quê entramos em contato em nossa egrégora? É muito importante evitarmos apreender o que quer que seja enquanto mais um “objeto”, “conceito”, “pensamento”, “crença”, “dogma”, “leis”, “percepções” etc. Pode-se alocar nossas apreensões como, por exemplo, contato com “entidades”, sejam “espíritos”, “alienígenas”, “deuses”, “elementais”, “registros akáshicos”, “Pleroma”, “virtual”, “Nirvana”, “universo hologramático”, “wuji”, “ficções” etc., mas todas essas nomenclaturas são conceitos oriundos de algum sistema de crença/pensamento/filosofia/espiritualidade e, enquanto tais, nos limitam enquanto apreensão precisa.


De fato, podemos apreender que ressoamos com certas “informações”, no entanto, até mesmo a “informação”, é um conceito. Se, a partir de agora, apreendermos a “informação” como algo mais ligado à sua etimologia, ou seja, algo em formação, com o adendo que é preciso aqui instaurar uma apreensão em que forma e conteúdo são contínuos e inseparáveis, de modo que “informação”, para nós, se aproxime da seguinte definição: “um conglomerado misto de modulações infinitamente moduláveis”, mas lembrando que nós podemos provisoriamente utilizar tal nomenclatura, mais uma vez, apenas enquanto trampolim. No âmbito da informação como apreendemos aqui, nos aproximamos com a filosofia de Gilbert Simondon, mas de modo algum se equivale a ela, pois sua filosofia ainda traz limites que nos impedem de ir além.


Pode-se perguntar, “o que se modula na modulação?”. Qualquer resposta será insuficiente: “energia”, “vibração, “éter”, “consciência” etc. Podemos provisoriamente nos satisfazer que algo se modula. ürmN é, assim, o nome dado ao conglomerado de informações que chegam em nossa egrégora, mediante meditações em grupo ou individuais, insights, sonhos, inspirações, ideias etc., que insistem e adquirem “vida própria” e coerência, cuja insistência faz com que desejemos expressá-la. Nesse sentido, não nos convencemos das taxonomias entre sonho, experiência mediúnica e ideia, pois para nós todas elas são apreensões das pulsações cósmicas em todas as suas modulações, do mais denso ao mais sutil, o que muda é apenas a condição na qual essas apreensões ocorrem: no sonho as apreensões ocorrem durante o sono, a experiência mediúnica pode ocorrer em qualquer situação, mas possivelmente em alguma meditação, “ritual” etc. e a ideia em qualquer processo criativo, seja ele artístico, conceitual ou científico. Mesmo as definições aqui são muito soltas e imprecisas, o que só reforçam a noção de que as taxonomias são falhas, de modo que as utilizamos apenas para dialogar com instâncias taxonômicas que a vida social pode eventualmente solicitar.


Nós não temos boa vontade com “rituais”, considerando-os um formalismo para adquirir alguma informação. Nossa meditação coletiva não é exatamente um ritual, porque não possui apriorismos ou dogmas, podendo ser sempre modificado, modulado e mesmo abandonado. Muitas vezes, as religiões e outras organizações espirituais nomeiam informações com nomes de entidades. Para nós, na grande maioria das vezes, possivelmente sendo em todas as vezes, nomear informações com nomes de entidades é apenas adestrar as informações com intenso grau de alteridade dentro do seu sistema de crença e/ou adequá-las às limitações do seu sistema cognitivo. As restrições oriundas de nossos sistemas de crença e cognitivos devem sempre ser colocadas em questão, de modo a flexibilizá-los e até superá-los.


Outra questão relevante é se há alguma distinção precisa do que trazemos aqui da ficção. Respondemos que, ao se criticar as taxonomias, isso implica necessariamente que inexistem “distinções precisas” de quaisquer âmbitos. Tanto ficção, quanto qualquer outro aspecto artístico, como artes plásticas, por exemplo, mas também ciência, filosofia e quaisquer outras humanidades, espiritualidades etc. tangenciam o que apreendemos aqui, mas não se limita a nenhuma delas, nem mesmo em suas articulações, sejam ela expressas em multi, inter ou transdisciplinaridades, que são apenas relações desses saberes que continuam, ao seu modo, a apenas tangenciar, ainda que de modo um pouco mais relacional, o que apreendemos aqui. Nesse ponto, a frase do escritor Jorge Luis Borges, em seu conto “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, inspirada na filosofia de Arthur Schopenhauer, que, por sua vez, é inspirada no hinduísmo e no budismo, se aproxima do que queremos expressar: "Os metafísicos de Tlön não buscam a verdade, nem sequer a verossimilhança: buscam o assombro. Consideram que a metafísica é um ramo da literatura fantástica."; assim como nos aproximamos  do que o filósofo François Laruelle tangencia em seu texto “Du Noir Univers”: “Nossos filósofos são crianças que têm medo do escuro.” 


Dessas considerações, pode emergir mais uma questão: “Se o que nós expressamos tangencia a ficção, qual a consistência disso?”. A ficção, em diversas ocasiões, traz informações de algo relevante, que, por diversos motivos, a ciência, as humanidades e as espiritualidades não o fizeram, ou o fizeram de outro modo, até menos preciso. Não há aqui nenhum preconceito do modo como algumas informações nos chegam, há apenas o exercício em torná-las mais precisas, o que envolve habitar paradoxalmente um “campo de desferencialização”, de modo a não nos reduzirmos a quaisquer desses saberes, nem em suas relações. É também por isso que nos declaramos acima como “ex” qualquer denominação a priori, pois tais denominações não significam mais nada. É provável que nossas expressões sejam porventura taxadas por “excêntricas”, o que são, de fato, ou mesmo “delirantes” e “equivocadas”, mas isso ocorre no bojo do sistema de valores produzidos no processo civilizacional, que nós estamos nos exercitando para nos desviar, de modo que não estamos interessados nos sistemas de juízo inerentes a tal sistema (ver item “Do desvio do processo civilizacional”).


Como o filósofo Márcio Suzuki coloca em O sonho é o monograma da vida, habitando a ressonância hinduísmo-Schopenhauer-Borges, escrever ficção é escrever em uma ficção “divina”, assim como sonhar, se sonha em um sonho “divino”. Borges escreve em seu ensaio “Avatares de la Tortuga” : “Nós (a divindade indivisa que opera em nós) sonhamos o mundo. Nós o sonhamos resistente, misterioso, visível, onipresente no espaço e firme no tempo; mas aceitamos em sua arquitetura interstícios tênues e eternos de irracionalidade para saber que ele é falso.”


Vale lembrar que nós não adoramos “divindades” e as consideramos uma nomeação de um aglomerado de informações que nos são estranhas. Nosso principal esforço é assumir tal estranheza inerente, sem adestrá-la em nenhum conhecimento prévio. Em outras palavras, com ürmN, nós habitamos a paradoxal  ressonância ao longo da estranheza e da precisão.


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